terça-feira, 5 de dezembro de 2006

O dia que o Samba morreu



Hoje, a propósito do lançamento do livro MPB.pt, de Carlos Vaz Marques, compilando entrevistas a grandes vultos da cultura brasileira que passaram pelo programa Pessoal e Transmissível, pus-me a pensar no tempo em que eu gostava do Brasil.

Todos nos lembramos de um grande país simpático chamado Brasil. País irmão. País de onde veio a novidade que era a Telenovela, lançando um olhar novo sobre uma sociedade urbana moderna, um pitoresco período colonial e esclavagista, uma era de imigração e integração no início do século XX, e claro, a literatura e universo de Jorge Amado e outros grandes escritores. Portugal amava este Brasil.

País de magos do futebol que com o seu génio e sorrisos sambavam em campo com uma tropicalidade elegante e admirável de quem tem o Carnaval no pé. País da simpatia, das praias maravilhosas, da eternamente apelativa Amazónia dos índios, da preservação, da luta dos trabalhadores.

País de génios musicais mundiais como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Baden Powell, Hermeto Pascoal, Elis Regina, Chico Buarque e Caetano Veloso. Génios com um papel fundamental no desenvolvimento da música no século XX e que representaram e representam muita da melhor criação e divulgação da língua portuguesa.

O que aconteceu a este país?

Por um lado, eu desencantei-me com o Brasil. O facto de ter vivido no Rio de Janeiro e ter contactado directamente com a realidade brasileira chocou-me. As assimetrias sociais não são divertidas como nas telenovelas. São indecentes e assustadoras. A forma como os extremamente ricos e os extremamente pobres convivem no dia-a-dia torna este país algo incompreensível. Tornam-no triste, pesado, artificial, falso. É uma feijoada com champanhe muito indigesta e que me pesa particularmente no estômago.

Por outro lado, de repente, motivado pelo súbito afluxo de emigrantes brasileiros, Portugal passou a não gostar deste País.
Vinham fazer os trabalhos que nós não queríamos fazer, falavam num sotaque com que nós não queríamos falar, e causavam muito incómodo em muita gente e que subitamente passou a defender um Portugal para os Portugueses (e até talvez para os de Leste que até são muito instruídos e falam muito bem português). E o Samba morreu.

Subitamente, os Morangos com Açúcar vendiam melhor que a Escrava Isaura, os jogadores de futebol eram fiteiros da favela, a música brasileira deixou de soar tão harmoniosa, as mulheres brasileiras meras prostitutas, os brasileiros criados de mesa preguiçosos ou beatos evangelistas. O Brasil passou a ser um país de visitantes indesejados e pacotes de férias baratos - onde por acaso se fala português.

Portugal, por um lado sofria de complexos xenófobos próprios de um país que não estava habituado a lidar com a emigração, e por outro, vingava-se, a frio, das piadas de Manuel e Joaquim com que os emigrantes portugueses, nos meados do século XX, foram recebidos no Brasil.

E este país existe? Talvez na cabeça de alguns. Não na minha.

O meu Brasil é, afinal, um grande País. Grande no tamanho, grande no intelecto, grande na invenção, grande na produção industrial, grande nas ambições, grande nos recursos, grande nas dificuldades de desenvolvimento e equilíbrio social, mas o mais importante, grande na vontade.
E enquanto estudo a inovadora mas complexa estrutura harmónica e progressão de acordes da bossa de Jobim, ou leio comovido a poesia de Buarque, não tenho qualquer dúvida que temos todos muito a aprender com este Brasil.

Sem comentários: